fbpx

NOSSA PRIMEIRA VEZ TOCANDO NO BURNING MAN

por DJ Glen

Conheci o Burning Man em meados de 2013, por meio de amigos e, principalmente, pela minha mulher Nana Torres (também DJ), que sonhava em conhecê-lo. Logo pesquisei um pouco sobre e vi que estávamos diante do festival mais incrível do mundo, tanto pela sua história quanto pela localização e por ser um oásis anti-capitalismo, dentro dos EUA.

Depois de muito pesquisar, o interesse ficou grande em participar. Como 2013 foi um ano bastante internacional para nós, alguns de nossos amigos conheciam quem poderia nos indicar como DJ’s. No ano seguinte surgiu o convite de três acampamentos no festival, para tocar em suas respectivas festas.

Acredito que esta seja uma dificuldade para muita gente e comigo não foi diferente, o custo! Como todos sabem o BM é um festival que não paga sequer cachê aos artistas, quanto mais as grandes despesas de uma viagem do Brasil. Além do mais, tínhamos que pagar nossos próprios convites, que não são baratos e ainda são muito limitados.

Eu também não tinha ideia também que o convite deveria ser comprado com meses de antecedência, sendo os valores inversos de acordo com os lotes – ou seja, os primeiros lotes são mais caros que os últimos, sendo o último, aliás, chamado de “OH MY GOD”, pois durava poucos minutos após ser anunciado e custava a metade do preço.

Enfim, só soubemos se iríamos ter ou não condições de participar praticamente um mês antes, tendo que ir atrás de visto, convite, carro e acampamento, em muito pouco tempo.

Algumas dicas que dou aos “virgens de BM”:

 

– Faça a inscrição bem antecipadamente, pelo menos 6 meses antes.

– Compre o convite no primeiro lote.

– Tenha o visto e passaporte em dia.

– Não vá de RV (trailer), fique numa barraca.

– Se for DJ, não se importe em tocar, isso é o de menos lá… tem muitas festas e pistas. O bacana mesmo do festival são as outras experiências.

– Pegue uma semana num Spa ou Super Hotel depois do festival.

– Pesquise bastante.

– Nunca pare em um Wallmart (loja de conveniência) em um bairro duvidoso.

– A gente sobrevive se não tomar banho por 7 dias.

– Não se preocupe se ficar na mão de algum item de supermercado. As pessoas vivem te oferecendo tudo, é até chato.

 

Chegando nos EUA, optei por pegar uma van de luxo dentro do próprio aeroporto, alugando ela antes da viagem ainda no Brasil, com seguro e tudo mais, por um preço bem legal. Assim poderia ir de San Francisco por 6 horas até Black Rock City em Nevada, uma road trip americana que sempre tive vontade de fazer.

Por mais louco que possa parecer, em 2014, no primeiro dia do festival, caiu uma chuva fenomenal no deserto, que acabou forçando os organizadores a fecharem as portas do evento, causando um congestionamento monstruoso na portaria do evento.

Aproveitamos a ocasião para ficar um dia a mais em São Francisco, fazer as compras dos itens do festival com calma e conhecer um pouco a cidade.

A viagem na estrada foi bem tranquila. Estava feliz por não estar dirigindo um super trambolho de um RV, dando na cara que éramos Burners e passando desapercebidos pelas inúmeras blitz pelo meio do caminho – salvo uma, que me parou por excesso de velocidade e fiquei com o Ass On Hands, pois não tinha habilitação gringa nem nada. Mas o policial deu uma dura, do tipo “filme”, e liberou a gente. Aliás, tudo no deserto é tipo filme, me senti dirigindo em um filme do Tarantino, lol.

Chegando no festival a fila ainda era imensa. Dormimos no carro e quando acordamos ela já tinha sumido, e aí veio a velha emoção do nome na lista. Não contei a história ainda, mas não tínhamos convite porque deixamos pra comprar em cima da hora. Não sei como, conseguimos nome na lista – comprando cada um o convite de uma pessoa que tinha desistido, já de dentro do avião indo para os EUA.

Achei que ia ser tranquilo conseguir os convites lá pois tínhamos sido convidados para tocar, mas vi tanta gente no perrengue de convite no caminho, na fila, na porta, implorando pra entrar, que fiquei bem preocupado.

Finalmente entrando no festival, fizemos o ritual de virgens, que é tipo bater a marreta num gongo gigante e rolar no chão para se sujar e desapegar da higiene, que foi muito importante. Fomos os últimos a chegar então foi difícil achar lugar para acampar, quando finalmente achamos ao lado de um ônibus que fazia transporte de presos no passado e tinha sido convertido num RV (como ele era medonho ninguém quis acampar ao lado).

Nossos vizinhos eram muito legais e, como somos esquisitos e não americanos, logo ficamos conhecidos como o “casal misterioso”. Éramos meio que independentes e fazíamos nosso rolê onde bem entendíamos.

Como chegamos atrasados, perdemos uma das festas que tocaríamos, que era em um trio elétrico dentro de um All Star gigante muuuuito legal. A outra festa a gente simplesmente não achou, procuramos o dia todo e nada, mas conseguimos tocar numa última que era em um domo, e se chamava Lobo, alguma coisa assim, mas era a menos legal e também não tinha muita gente.

Sinceramente, chegando no festival e vendo a imensidão da “Deep Playa”, a última coisa que queríamos era nos preocupar em tocar, passávamos o dia todo andando de bicicleta e brisando nas obras dos artistas plásticos. Foi uma trip bem introspectiva como casal, as dificuldades do clima e o grande risco de desidratação, ou coisa pior, pelo fato de estar no deserto somente com o que tínhamos levado, fez aquilo tudo se tornar muito interessante.

Claro que fizemos amigos e também fomos em várias festas ver as lendas tocando – destacando Robot Heart (que encontramos apenas no último dia) e a famosa Distrikt, que foi sensacional.

Muito vimos e muito aprendemos ao ponto de conseguir escrever um livro, mas sei que só até aqui já pode ter ficado tudo confuso demais. Em meu relato passarei reto pela queima do “Man”, que foi tipo um carnavalzão, e pularei diretamente para o último dia, que foi algo que me pegou de surpresa – a queima da Capela.

Durante todo o festival as pessoas vão deixando objetos em uma capela toda feita a mão, incrivelmente linda e grande, com objetivo de desapego, para que o espirito do festival leve estas lembranças embora e a vida siga mais leve. E cara, essa mensagem que me pegou. Esse é o sentido do festival, o desapego e o olhar autocrítico para conseguir avaliar tudo aquilo que realmente era importante para viver. E para mim ficou bem claro lá, tudo que vivi e aprendi foi colocado a prova e saí da queima da Capela como se estivesse duas toneladas mais leve, e assim ainda me sinto hoje. O Burning Man realmente mudou minha vida.

Infelizmente, após o festival tive que por isso a prova. Parei para comprar um shampoo no supermercado e quando voltei ao estacionamento o carro estava vazio. Tínhamos perdido toda bagagem com equipamentos, cases, laptops e até as câmeras com todo o registro do festival. Fomos furtados.

Funcionou, não precisava daquilo para nada. As memórias estavam com a gente e as ferramentas de trabalho sempre precisam ser atualizadas.

TEXTO: DJ GLEN

Natural de Americana, interior de São Paulo, Glen Faedo é DJ e Produtor musical desde 2006 e responsável pela festa Discotech.

SoundCloud     Spotify     Facebook