MÚSICA QUE ATRAVESSA PONTES – A CENA ELETRÔNICA DA FRONTEIRA

A facilidade de idas e vindas entre um lado e outro faz com que o dia a dia das três cidades acabe sendo bastante integrado, seja no modo de viver da população, seja nos costumes, seja na junção das culturas. E por falar em cultura, no intercâmbio cultural que acontece entre Brasil, Argentina e Paraguai, a música é sem dúvida um dos personagens principais que une os povos da fronteira. 

Não são de hoje os registros das primeiras festas de música eletrônica em Foz, CDE ou Iguazú, mas de alguns anos pra cá a coisa começou a tomar forma de gente grande e com uma cena que, todavia não muito conhecida, já não é tão mais tímida e caminha em frente rumo à evolução. 

Em tempos passados Foz do Iguaçu já viu muito do Trance, especialmente o Prog, que foi e continua sendo muito significativo para a região. O Deep house também, já teve sua época de ouro por lá. Mas atualmente, o rolê eletrônico acontece fortemente embasado no House, Minimal e Techno, principalmente em eventos independentes de núcleos locais. 

Foz, que já teve algumas casas noturnas de bastante movimento e que tiveram momentos com a e-music, hoje sustenta o amor pela música eletrônica desenrolando festas e festivais em locais adaptados.

Além de receber todos os anos eventos de renome nacional como Warung Tour e D.EDGE Tour, Foz conta grupos de DJs, produtores e apreciadores da música eletrônica que se empenham em proporcionar à população local experiências reais com eventos do gênero musical.

Um dos núcleos que marca presença em Foz do Iguaçu é o The Lab Underground, que desde 2015, ano de sua criação, vem apostando em experiências mais imersivas e conceitos até então inovadores para o público local, a exemplo dos “long sets”, formato que caiu no gosto da galera que curte estender o rolê. Quando Davis tocou na The Lab, foram 7 horas de muita energia atrás das cabines.

Com edições mais espaçadas, a The Lab faz jus ao nome, experimentando locações e estruturas diferentes a cada nova festa. Começou em solo brasileiro, atravessou a Ponte da Amizade e recentemente tem se firmado novamente em seu território de origem. Já apresentou DAVIS, L_cio, Cesare vs Disorder, Roman Flügel, James Dean Brown, Koolt e o romeno Priku, este em duas edições. 

Um dos momentos mais comentados da The Lab foi em sua aparição de 2018, onde o warm-up foi regado a jazz e brasilidades, executados pelos músicos locais Fumê Jazz Trio e o trombonista Sergio Coelho como convidado.

Rhadoo, Barac e Petre Inspirescu são só algumas das pedradas que o núcleo já trouxe para o destino fronteiriço. As festas da 0dB, que geralmente acontecem em espaços abertos, têm uma cenografia simplista, mas, em contrapartida, investimentos pesados no lineup: Gromma, Ney Faustini, Audio Werner, Lamache, Lowris, Praslesh, Leo Pol, Akufen, Laurine, Cecílio e Onur Özer e Francesco del Garda são alguns dos nomes que já assinaram os bailes da 0dB em edições alternadas entre Brasil e Paraguai. A “Zero” também é adepta ao estilo long sets desde o início. Lamache, na sua primeira vinda à fronteira, brindou a pista com mais de 12 horas de muita música e dança.

Além dos principais grupos que movem o cenário nos dias de hoje, a região teve outros nomes importantes na trajetória mais recente da música eletrônica por lá, como a Illusions Gathering, que trouxe o Trance para a cidade, e a Sundance e a Numb Numbs, festas que já não atuam mas ficaram imortalizadas na memória de quem frequenta o rolê há certo tempo.

O grande apreço pela dance music atravessa para Ciudad del Este e lá a história da música eletrônica continua. Semelhante ao que acontece no lado brasileiro, no Paraguai grupos de DJs, produtores musicais e de eventos também se desdobram pra fazer a parada acontecer. As noites, que assim como em Foz do Iguaçu, muitas vezes viram dia, se passam em cenários improvisados, inusitados e não por isso menos interessantes. 

Um dos lugares que faz a sorte do público paraguaio – e do público brasileiro, argentino e de quem mais vier farrear na fronteira – é o Pulse Club, casa noturna do núcleo Pulse Underground, que funciona exclusivamente para noites de música eletrônica. 

O empreendimento fica sob os comandos da família Vallejos, irmãos aficionados pela dance music e que ainda contam com o suporte do pai e mãe pra levarem em frente a vida do clube. A DJ alemã Vera, que esteve na casa em novembro de 2018, chegou a fazer uma postagem em seu Instagram na época agradecendo a receptividade da família Vallejos e enaltecendo as qualidades do club tão recém inaugurado. 

O local é pequeno, mas aconchegante, e comporta bem o público que, por sua vez, comparece sempre totalmente entregue à aproveitar a noite e dançar. No stage do Pulse Club, equipado com um bom sistema de som e sempre abrilhantado pelas projeções visuais, já passaram, além de Vera, artistas como Anthea, Gene On Earth, Varhat, Zendid, Nektar Agu, Laurine e Bihn.

Quando o assunto é rolezão mais próximo à natureza, quem manda bem é a Concept. A festa vem se tornando conhecida pelos frequentadores da cena eletrônica na região, principalmente em decorrência das extensas horas de música e dança que acontecem no espaço La Wayaba. No palco da recém criada Concept, tivemos a honra de registrar as passagens de Felipe Valenzuela, 2 Vilas e Momo Trosman. 

O La Wayaba fica em Hernandarias, distrito do departamento de Alto Paraná, anexo à Ciudad del Este. O local é aberto, com um grande deck sobre o rio Acaray. Além da bela paisagem, o  pico tem características arquitetônicas bem incomuns: sobre o rio onde está situado, há uma espécie de casa ornamental construída e decorada de cabeça pra baixo. É apenas um dos detalhes que contribuem para arrebatar os entardeceres que encontram as manhãs nos eventos da Concept. 

As festas organizadas por Steven Mazó e sócios se inspiram sem segredo na famosa All Day I Dream, com um clima agradável do início ao fim, carregando ao longo de suas edições princípios como o bem-estar de todos os convidados (tanto público quanto artistas), muita alegria e vivacidade durante todas horas de festança e um sistema de som surreal com as Void Acoustics, viabilizadas às festas do núcleo graças ao outro empreendimento de Steven, à frente da SDaudio.

Ciudad del Este conta ainda com outros grupos que fomentam o cenário musical eletrônico da região, como a Infinity Underground, a Intimo Sessions, que já apresentou artistas como Evan Baggs e Onirik, e a Distrito, núcleo e clube local. No passado, Riverside, Moodulate e Animatek foram party labels que tiveram um papel importante no cenário regional. 

Partindo para Puerto Iguazú, a cena argentina caminha um pouco mais tímida, porém ativa à sua própria maneira. Núcleos como Wuata Fak, Sonitus Club, Filter, House Inc, Underground Movement e Frequency movimentam as batidas por lá. Reforçando a presença da dance music na província de Misiones outros entusiastas também garantem o progresso da cena musical: núcleo Diferente (cidade de Eldorado), Mandala e Void Forest (Puerto Rico), Jacarandá e Lost in Music (Oberá), e na capital Posadas, os núcleos Live, Der Tanz Club, Umma Club e BPM Club. 

Por aqui, outros grupos ainda se desenvolvem, como  a Crew House, Invited, Feelings, e outros. Além da região pontual da fronteira, algumas cidades próximas contam com núcleos e festas que também exercem influência no crescimento da cena, como a Sharp Movement de Cascavel, a Second Floor de Medianeira, e a festa Atchuca em Santa Terezinha. Da capital Assunção, a Cuatrophonique e a Commute são rolês de destaque, sendo na Commute onde, pela segunda vez, registramos uma gig da inglesa Anthea.

Mais do que as diferenças básicas que separam e diferenciam cada uma das nacionalidades que compõem a fronteira, algumas distinções sutis se observam nas pistas de dança de cada país. 

Do lado brazuka, os gêneros mais em alta atualmente passam pelo Deep, House e Minimal. Já os paraguaios, demonstram também gostar do Minimal e House, mas se aproximam ainda do Techno. Na Argentina, o gosto da cidade vizinha acompanha o caso de amor nacional por House e Techno, com uma queda pelo Progressive house e algum flerte com algo minimalista. 

Além das individualidades quanto às preferências musicais, há também diversidade no jeito de curtir de cada público. Em pistas majoritariamente lotadas de brasileiros, talvez a sociabilidade fale mais alto. O Brasil dança muito, presta atenção no som, sim, mas faz um social caloroso, como ninguém mais sabe fazer. 

Os paraguaios, por sua vez, se entregam na pista como ninguém. Entram de cabeça, expressam todo sentimento proporcionado pela música deixando-se levar pelos corpos em movimentos não ensaiados, mas nem por isso menos bonitos de se ver. Interagem mais com o andamento musical do que entre si. Entoam em alto e bom tom a felicidade a cada virada de track e bailam como se ninguém estivesse olhando. Nas pistas argentinas, impera também um clima enérgico, com mentes abertas para a música e ares muito respeitosos. 

Mas, no final das contas, independente da vertente que mais ecoa nos parlantes de cada lado da fronteira, ou das formas diferentes de aproveitar cada final de semana recheado de som alto e infinitas horas de baile, o que importa realmente é a união de nações através da música. 

Fato é que Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Puerto Iguazú ainda têm um longo caminho em frente para conquistar, aos poucos e cada vez mais, o que há de melhor na música eletrônica em grandes centros como São Paulo ou as capitais Assunção e Buenos Aires, por exemplo. 

Mas a movimentação eletrônica por lá, constante, resistente e ambiciosa, é sinal provável de que a fronteira esteja no passo certo. A cena de música eletrônica na fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina é prova de que a arte atravessa pontes e favorece para a integração positiva entre culturas distintas.

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TEXTO: ANNABEL GRIGNET

Redatora oficial do Cognição Eletrônica, jornalista inquieta, discente em Música pela UNILA e foliã na cena eletrônica da fronteira de Foz do Iguaçu.